Com a publicação da MP nº 1.292/2025, houve alterações na Lei nº 10.820/2003, promovendo profundas mudanças no formato...
Com a publicação da MP nº 1.292/2025, houve alterações na Lei nº 10.820/2003, promovendo profundas mudanças no formato de concessão de empréstimos consignados em folha de pagamento. Essas alterações impactam principalmente as Instituições Financeiras Não Bancárias, como as cooperativas de crédito e a Sociedade de Crédito Direto.
A nova norma apresenta falhas, especialmente por não conceder um prazo razoável para que essas entidades se adaptem ao novo sistema. Além disso, também impede a continuidade do modelo tradicional de convênios diretamente com as empresas consignatárias dos empregados, um sistema desenvolvido ao longo do tempo para melhor atender os usuários dos serviços de crédito.
Um dos principais problemas criados pela Medida Provisória é o prazo exíguo para adaptação. A MP foi emitida em 12/03/2025, determinando que, a partir de 21/03/2025, todas as novas liberações de empréstimos consignados ocorram exclusivamente por meio do NOVO SISTEMA ou da NOVA PLATAFORMA DOS OPERADORES PÚBLICOS, conforme previsto no artigo 3º do normativo, combinado com o artigo 4º,vejamos o texto da Norma:
“Art. 3º O sistema ou a plataforma digital deverá estar disponível para as instituições consignatárias operarem as operações de crédito consignado A PARTIR DE 21 DE MARÇO DE 2025.” (grifo nosso)
“Art. 4º A partir da publicação desta Medida Provisória, a contratação de novas operações de crédito consignado de que trata o art. 1º DEVERÁ OBSERVAR as disposições estabelecidas na Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, NOS TERMOS DAS ALTERAÇÕES DISPOSTAS NESTA MEDIDA PROVISÓRIA.” (grifo e destaque nosso)
Além de não ser opcional, a norma extingue abruptamente o modelo tradicional de convênios, que levou anos para ser consolidado, e impõe diversas obrigações acessórias para operar na nova plataforma. Isso inclui a necessidade de cadastro no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), contratação da Dataprev e a absorção de custos adicionais de processamento que inexistiam no modelo anterior.
A situação se agrava ainda mais pelo fato de que, para o cumprimento das formalidades de habilitação, a Portaria exige, entre os documentos solicitados, a comprovação do “código bancário de compensação da instituição consignatária – CBC”. Esse código identifica cada banco brasileiro para realizar transferências entre instituições financeiras e é necessário para as instituições que integram o Sistema de Transferência de Reservas (STR) e o Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis (COMPE). No entanto, as Instituições Financeiras Não Bancárias não integram esse sistema e não utilizam os serviços do COMPE, pois tal requisito não é necessário para oferecer crédito, especialmente quando consignado em folha de pagamento.
Dessa forma, as instituições ficaram à deriva, aguardando indefinidamente a liberação do cadastro para operar na nova plataforma.
Um problema ainda mais grave é a determinação de suspensão das operações. Segundo a Medida Provisória, os novos créditos só podem ser concedidos após a liberação do cadastro na plataforma, pois é expressamente vedado liberar empréstimos fora da plataforma crédito do trabalhador (art. 2º-A). Além disso, os contratos realizados fora do sistema devem ser averbados na plataforma dos operadores públicos, sob pena de nulidade.
Com essa determinação, todo o esforço acumulado ao longo de mais de duas décadas por essas entidades para se adaptar às necessidades dos usuários de crédito é ignorado. A MP exige que abandonem sua estrutura e suspendam suas operações até que o cadastro seja liberado.
Essa imposição fere o princípio da livre iniciativa, que é um fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV) e um princípio da ordem econômica (art. 170, caput). A livre iniciativa pressupõe a liberdade das empresas para empreender, produzir e comercializar bens e serviços sem intervenção excessiva do governo.
O jurista André Ramos Tavares reforça esse conceito ao afirmar que: [1]
“Para fazer-se presente, a liberdade de iniciativa exige, inicialmente, a igualdade de condições (perante o Estado) para os agentes privados do mercado iniciarem sua atividade. Não haverá livre iniciativa se (…) vier o Estado a conceder situações de vantagem ou privilégios (…)”.
Entre os princípios que norteiam a liberdade econômica estão “a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas” e “a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas” (incisos II e III, art. 2º da Lei nº 13.874/2019), princípios que não foram preservados por esse normativo.
Entretanto, a norma do MTE parece ter sido elaborada para beneficiar apenas alguns agentes, promovendo uma concentração nos empréstimos consignados ao trabalhador e excluindo as Instituições Financeiras Não Bancárias. Dessa forma, restringe-se a liberdade das empresas, contrariando a livre iniciativa, que garante concorrência, inovação e crescimento econômico, além de proporcionar oportunidades para o desenvolvimento individual e coletivo.
A MP também determina que todas as instituições financeiras tenham 120 dias para averbar os contratos de empréstimos consignados existentes na nova plataforma dos operadores públicos. Isso significa que todos os contratos vigentes deverão ser ajustados aos termos da MP 1.292/25 e às normas do MTE, incluindo limites de prazo e redução de taxas de juros (§ 2º do art. 2º-D), vejamos:
“Art. 2ªD….
§ 2º As instituições consignatárias habilitadas, nos termos do disposto no art. 1º, § 10, que já possuam autorizações de desconto, na entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.292, de 12 de março de 2025, terão até CENTO E VINTE DIAS PARA AVERBÁ-LAS no sistema ou na plataforma dos operadores públicos de que trata o art. 2-A, conforme ato do Ministério do Trabalho e Emprego, estando essa averbação condicionada à adequação do contrato aos termos desta Lei.
§ 3º Para as operações de que tratam o § 2º, A NOVA OPERAÇÃO DE CRÉDITO TERÁ TAXA DE JUROS INFERIOR À TAXA DE JUROS DA OPERAÇÃO ORIGINÁRIA.” (Grifo nosso)
Essa exigência compromete a garantia da segurança jurídica, pois desrespeita a previsibilidade e estabilidade das relações contratuais. A Constituição Federal assegura que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, inciso XXXVI). A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) também protege essas relações, garantindo segurança e estabilidade quando determina:
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1º.8.1957)”
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.”
Assim, a MP não pode retroagir para alterar contratos celebrados sob a legislação anterior, pois isso violaria princípios fundamentais do direito.
A MP 1.292/25 impacta negativamente as Instituições Financeiras Não Bancárias, especialmente as cooperativas de crédito e a Sociedade de Crédito Direto. Ao impedir suas operações por falta de cadastro no MTE e na Dataprev, a norma compromete a continuidade de suas atividades.
Além disso, a obrigatoriedade de inclusão na nova plataforma e a redução forçada das taxas de juros violam o princípio do ato jurídico perfeito e prejudicam a segurança jurídica.
Diante dessas irregularidades, as Cooperativas e as Sociedades de Crédito Direto devem recorrer ao Poder Judiciário para evitar prejuízos irreparáveis, seja pela suspensão de suas atividades até a liberação do acesso à plataforma, seja pela obrigatoriedade de adequação dos contratos vigentes às novas regras.
[1] TAVARES, André Ramos. Direito constitucional da empresa, pp. 31-32.